Originalmente publicado no Linkedin por Luciano Vicenzi
Em tempos de transformações aceleradas, saber quando mudar de ideia passou a ser considerada uma habilidade importante e sensível para o desempenho de empresas, profissionais e, principalmente, dos gestores em todos os níveis organizacionais. Pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso, o progresso ou a estagnação da carreira. Entretanto, identificar como descobrir esse momento não é tão simples. Não se trata de inteligência e sim da compreensão de fatores que começam na infância e vão até os dias atuais para compreender como desenvolver o ciclo virtuoso do repensar. Mudar ou não mudar de ideia, eis a questão.
“Aqueles que não conseguem mudar de ideia não conseguem mudar nada”.
George Bernard Shaw, romancista Irlandês e Cofundador da London School of Economics
O ponto em análise é: reconhecer a necessidade de mudar e saber “quando” fazer isso torna essa questão mais complexa do que parece a uma primeira vista. Três fatores merecem consideração:
● Saber pensar sobre os problemas e sua evolução, no tempo e no contexto
● Entender as decorrências de se manter o rumo atual versus os resultados desejados.
● Identificar o que tais problemas significam para a memória emocional dos envolvidos.
Memória emocional dos envolvidos? Sim, toda situação evoca ideias e emoções de maneira indissociável. Portanto, além da racionalidade é preciso avaliar os fatores emocionais subjacentes, relacionados às crenças limitantes da trajetória pessoal e aos mecanismos de preservação do ego de cada pessoa, que muitas vezes sabotam as mudanças necessárias. Na análise para a tomada de um novo posicionamento sobre determinada questão, pode haver consciência das emoções subjacentes ou não. A maioria não tem.
Por exemplo, na infância todos os acertos e erros eram pessoais. Se você fazia o que seus pais queriam, recebia elogios e carinho; se não, repreensão e até punição. Na escola, se repetia nas provas o que o professor transmitia, passava de ano e era inteligente; se não, reprovava e perdia a companhia dos amigos, não raro sendo taxado de burro ou de inteligente-preguiçoso, na versão da mãe. Ainda hoje, na empresa com modelo mental do século XX, se executar bem o que o chefe definiu é competente, se não, é incompetente ou inadequado. E nesse viés, lidar com o erro passou a ser um grande problema, de alto custo emocional. Errar ficou emocionalmente muito caro.
A falta de clareza sobre as próprias emoções, diante da necessidade de obter melhores resultados a partir de mudanças de rota, pode levar a dois comportamentos opostos:
● o enrijecimento de posicionamentos, onde a pessoa insiste na mesma abordagem ou estratégia;
● ou a mudança aleatória e a consequente dispersão de esforços, perda de identidade e de resultados.
Muitas organizações padecem dessa inconsciência de suas lideranças. Em muitos casos, há dificuldade em abrir mão de fórmulas que geraram sucesso no passado, mas se tornaram contraproducentes no atual cenário. Há um apego emocional a tal fórmula, é difícil admitir que aquele modelo mental não serve mais. Por que isso acontece?
O Dilema do Tarzan
O sucesso passado evoca a sensação de potência pessoal, a mudança, de incerteza. Sem abrir mão do passado, não há como avançar para o futuro. Em algum momento, se o Tarzan não largar o cipó anterior ao agarrar o próximo, vai ficar preso entre os dois. Muitas empresas estão vivendo hoje o dilema do Tarzan, tentando conciliar modelos de sucesso do passado com o futuro que é, em si, diferente. Meia mudança não será o suficiente. Não se trata de uma capacidade de pensar com lógica, a maioria desses gestores são pessoas altamente inteligentes. É uma questão de apego emocional.
Greg McKeon, autor de Essencialismo: a disciplinada busca por menos (editora Sextante), defende um conceito difícil de se ver na prática: a ideia de perder para ganhar, ou seja, é preciso abrir mão do sucesso do passado. Como exemplo, cita a tentativa de algumas empresas aéreas copiarem o modelo de baixo custo da Southwest Airlines, mas que na hora da prática, não conseguem abrir mão de uma série de hábitos e ficam presas no meio do caminho. Tentam conciliar as estratégias, a antiga e a nova, e aí perdem o foco, caem em uma falta de identidade e propósito, deixam as equipes num limbo conceitual que gera conflitos entre áreas, custos desnecessários, comunicação dúbia ao mercado e perda de qualidade nas entregas aos clientes.
Do ponto de vista pessoal, ocorre algo semelhante. É difícil se libertar de referenciais antigos. Isso acontece por três motivos principais:
● Um, porque a maioria não tem autoconhecimento suficiente para entender quais são, de fato, seus referenciais.
● Dois, porque habituaram-se com o jeito de ser herdado da cultura familiar, educacional e social na qual construíram sua identidade, mesmo não conscientemente.
● Três, porque na mudança a perda é clara, a pessoa sabe do que precisa abrir mão, mas o ganho é difuso, pois está no futuro e não foi experimentado na prática.
Esta é a razão de muitas pessoas só mudarem certos hábitos, estilos de vida ou de trabalho quando atingem algum ponto de saturação crítico. Ou seja, não suporto mais isso!
A mudança, seja organizacional, seja pessoal, envolve lidar com as emoções subjacentes. Para entender melhor a diferença entre envolvimento intelectual e emocional, vamos analisar a diferença entre saber estudar e saber aprender:
● Saber estudar é uma atividade intelectual, de reconhecer determinado conteúdo, compreender e falar sobre. Envolve basicamente a mente consciente, racional.
● Já saber aprender significa transformar-se em algum nível, é uma atividade intelectual, emocional, energética e física, ou seja, integral. Manifesta-se pela incorporação de novos comportamentos e envolve a mente não consciente.
O primeiro não envolve aspectos emocionais, não é pessoal; o segundo não tem como ocorrer sem algum tipo de reeducação emocional.
O equilíbrio emocional para as mudanças é uma combinação entre autoconfiança e competência. Uma pessoa com alta competência, mas sem autoconfiança pensa que não sabe o suficiente, quer sempre estudar mais, fazer mais um curso para então poder mudar e, de fato, não muda. Não raro, pode desenvolver a síndrome do impostor (um conjunto de reações que formam um quadro de ansiedade e paralisia devido a percepção equivocada de insuficiência pessoal). Por outro lado, uma pessoa que tem alta autoconfiança, mas um nível de competência que não corresponde, pensa poder mais do que realmente tem condições de entregar. Tende a ficar presa ao viés da confirmação, só coletando as informações que reforcem seus pontos de vista até ser tarde demais para mudar de boas. A partir deste ponto, só com saturação e sofrimento.
Adam Grant, autor do livro Think Again: the power of knowing what you don’t know(ainda sem tradução para o português – 2021), propõe um ciclo para desenvolver a capacidade de repensar e agir. Se inicia com a adoção de uma atitude de ciência, separando você (seu valor) do seu objeto de investigação (o foco da mudança). A partir daí, é preciso tratar as ideias pessoais como hipóteses a serem testadas; hipóteses se constroem na dúvida, portanto levam à curiosidade da investigação mais isenta, o que favorece a geração de novos aprendizados e que por sua vez geram novas dúvidas a medida em que avançamos. Eis um ciclo virtuoso de aprendizagem e desenvolvimento. A certeza, por outro lado, é a morte da aprendizagem.
Saber quando mudar de ideia é, em síntese, um processo de desdramatização da ignorância relativa na qual todos estamos inseridos para poder fortalecer a autoestima e lidar melhor com eventuais erros, somada a coragem para uma atitude de pesquisa e aprendizagem com a própria experiência. Não há fórmulas prontas ou caminhos definidos. O modelo de ter alguém dizendo o que você precisa fazer já não serve mais, agora a bola está contigo. Cada pessoa precisa criar o próprio mapa e trilhar seu caminho. Pense para criar suas alternativas, ouse para experimentá-las e observe suas emoções para evitar a autosabotagem de permanecer na zona de conforto. Ou como diria Tonia Casarin, autora de livros de educação emocional para crianças, “a coragem é o medo andando”. Siga em frente e boa sorte!
Quer saber mais? Assista a Live na qual abordei esse tema: