Artigo originalmente publicado no Linkedin por Ana Paula Simões.
A pandemia tem funcionado como um revelador, desses que se usa em exames de diagnóstico para acentuar contrastes e possibilitar a identificação de algo que já estava lá, mas passava despercebido. A partir do relato pessoal de uma amiga, convidei três profissionais experientes da área de saúde emocional e gestão de pessoas e levantamos 3 prioridades para ter uma saúde mental mais equilibrada no trabalho em 2021.
Nossa geração ainda não tinha passado por tamanho divisor de águas. Alguns de nossos avós ou bisavós talvez tenham vivido a gripe espanhola e as grandes guerras mundiais, eventos que interromperam planos, trouxeram sofrimento inimaginável para o cotidiano e reconfiguraram milhares de vidas.
Mas nós vivíamos até há pouco uma bolha de relativa previsibilidade, rompida com a eclosão da pandemia da COVID-19. Toda vida humana do planeta foi atingida pela doença ou por seus efeitos. Ninguém está imune. Mesmo com a vacina, teremos a possibilidade de controlar o vírus, mas seus efeitos socioeconômicos e psicológicos seguirão repercutindo longamente e mudando nossas vidas.
A pandemia tem funcionado como um revelador, desses que se usa em exames de diagnóstico para acentuar contrastes e possibilitar a identificação de algo que já estava lá, mas passava despercebido.
O isolamento e o distanciamento nos colocaram em contato mais intensivo conosco mesmos e nossos convivas. Sem as possibilidades de distrações e descompressões costumeiras, encaramos a nós e nossas relações sem chances de desviar o olhar. Além disso, as incertezas decorrentes da pandemia amplificaram as inseguranças e ansiedades, e afetaram profundamente nossa visão sobre o futuro e a possibilidade de fazer planos.
Um dos resultados é o agravamento de episódios de saúde emocional e mental. Muitos que nada tinham passaram a ter, quem já tinha mergulhou em crises mais prolongadas e profundas.
Denise Köche, minha amiga que é executiva de comunicação, compartilhou comigo o que vem vivendo: “Momentos delicados passamos todos com a soma do que já era uma crise mundial de saúde mental somada à pandemia. Por aqui na minha rede de conhecidos, um ano com 3 suicídios de pessoas entre 25 a 35 anos e casos de familiares com perdas para a COVID-19. Segunda-feira, uma colega de trabalho teve uma crise de pânico. Ontem outra teve um pequeno AVC, ela tem 36 anos.” E ela pergunta: “Além da questão de como acompanhar e dar apoio aos funcionários com questões mais delicadas, que ferramentas podemos usar para segurar a barra de ver tudo isso acontecendo?”
Assim como a Denise, penso que muitas pessoas estão passando por situações semelhantes. O que fazer então para lidar com tudo isso, pessoalmente e nos ambientes de trabalho? Para nos ajudar, pedi a alguns profissionais experientes da área de saúde emocional e gestão de pessoas para dar algumas orientações. Leia a seguir suas contribuições:
1. Crie um clima de acolhimento e alivie a pressão
A psicóloga Siomara Vicenzi da Consvita ThinkerLab ressalta:
“O momento atual devido a pandemia, em que as pessoas estão mais sensíveis emocionalmente, requer especial atenção às relações interpessoais no trabalho, incentivando o respeito, cooperação, trabalho em equipe, paciência, boa comunicação, reconhecimento, ou seja, atitudes que irão contribuir para que os funcionários se sintam mais acolhidos pela instituição.”
Além dos aspectos comportamentais, Siomara considera importante “uma boa revisão das atividades cotidianas de cada função considerando o tempo de realização, as condições de trabalho e carga horária, adequando-os ao perfil do funcionário e as restrições impostas pelo momento. Incluir também atividades de relaxamento físico e mental de acordo com a preferência da maioria dos funcionários, as quais podem ser aferidas através de pesquisa de clima ou entrevista pessoal.”
2. Promova o empoderamento emocional e a compaixão
“A pressão externa está muito grande e entendo que as pessoas podem chegar ao seu limite”, aponta Mari Martins, psicóloga da Duomo Aprendizagem Corporativa. “Por outro lado”, completa Mari, “nos perguntamos, como outras pessoas conseguem estar submetidas às pressões, passarem por dificuldades e problemas e, ainda assim, suportam e não se afundam.
“Certamente, tem a ver com questões pessoais e empoderamento emocional, capacidade de se acolher, dar empatia, autocompaixão, não se culpar e olhar objetivamente a situação, sem qualificá-la como boa ou ruim, entre tantos outros recursos.”
Mari ressalta a importância de buscar apoio profissional e nas redes de relacionamento: “Recomendo um encaminhamento para psicoterapia e se necessário buscar ajuda médica. Além disso, as empresas poderiam ter grupos de escuta e acolhimento. E que as pessoas possam se ajudar e as famílias funcionem como uma verdadeira rede de apoio e afeto. Abraçar mais e cobrar menos.”
3. Liberte-se da metáfora da máquina: você é mais que uma peça de engrenagem
“Vivemos hoje as condições de uma tempestade perfeita para a saúde mental das pessoas no trabalho. Transformações trazidas pelas novas tecnologias, aceleradas pela COVID-19, provocam pressão imensa sobre os profissionais” avalia Luciano Vicenzi, administrador e fundador do Software Mental.
“Pessoas educadas no modelo pautado em disciplina e repetição da 1ª revolução industrial se vêm pressionadas, pela sombra da IA, para serem autônomas e criativas; a cobrança de desempenho coletivo ainda é permeada por metas e métricas de avaliação individuais; profissionais em home-office, preocupados com a autoimagem de competência, trabalham além do recomendável; o contágio da COVID-19 traz cada vez mais para perto a ideia de doença e morte de familiares e colegas; os momentos de descontração com amigos converteram-se em isolamento social.”
“A metáfora das empresas como máquinas e pessoas como peças da engrenagem organizacional está em esgotamento completo. A solução está em colocar as pessoas no centro dos negócios, a Human Experience Management (HXM), modelo no qual a jornada do colaborador, integrada à jornada do cliente, são o foco das decisões do negócio”.
Luciano ressalta que “na HXM, o ambiente de trabalho deve refletir o senso de inclusão, a consideração pelas contribuições e o respeito à dignidade, orientando as práticas organizacionais.”
Como tem sido para você? Tem sugestões e ideias para termos uma saúde mental equilibrada em 2021? Aproveite e assista aqui ao episódio 98 do podcast Software Mental, onde a saúde mental foi apontada como uma das tendências do desenvolvimento humano para 2021.
Uma coisa parece ser consenso: 2021 continuará trazendo desafios. Achar que tudo se resolverá e voltaremos ao curso de vida anterior à pandemia não soa muito realista. Mas temos a opção de aprender com o novo cenário e, quem sabe, convertermos essa experiência em sabedoria de vida. É o que desejo para todos nós. E que venha o ano novo!